No último dia de fevereiro, celebra-se o Dia Mundial das Doenças Raras. Em Roraima, a data faz parte do Calendário de Eventos do Estado, tendo sido instituída pela Lei nº 1.779/2023, aprovada pela Assembleia Legislativa (ALE-RR).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma doença rara (DR) afeta até 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos. No entanto, o número exato de doenças raras ainda não é conhecido. Estima-se que existam entre 6.000 e 8.000 tipos diferentes de DR, sendo que 80% delas têm origem genética, enquanto as demais resultam de causas ambientais, infecciosas, imunológicas, entre outras.
De acordo com a médica do Núcleo de Saúde do Poder Legislativo, Izabela Marques, muitas dessas alterações genéticas podem se manifestar desde os primeiros dias de vida até a idade adulta. Algumas apresentam episódios intermitentes, alternando entre fases de bem-estar e recaídas.
“Na sua grande maioria, são alterações genéticas que, dependendo da alteração, podem começar no período neonatal até a idade adulta. E muitas delas podem ter manifestações episódicas. Isso significa fases em que o paciente está bem, fases em que ele tem recaídas ou piora. É um pouco complexa essa situação porque as manifestações clínicas podem ser diversas, desde vômitos, crises convulsivas, intolerância a alguns alimentos até mudanças das características da face e dos ossos ao longo da vida, que são as doenças de depósito”, explicou a médica.
Sintomas
Manifestações relativamente frequentes podem simular doenças comuns, dificultando o diagnóstico de condições raras e causando elevado sofrimento clínico e psicossocial aos afetados.
A história de Rayanna Martins, servidora pública de 22 anos, ilustra a árdua jornada de quem convive com uma doença rara e as dificuldades para obter respostas e suporte em Roraima. Aos 15 anos, a jovem começou a sofrer desmaios e perdas de memória sem causa aparente.
A peregrinação por diagnósticos durou anos, com médicos atribuindo os sintomas à enxaqueca, sem identificar a raiz do problema. A frustração e a falta de respostas aumentavam a cada consulta, enquanto a doença progredia.
“Não tive basicamente ajuda em nada e esperava uma explicação. Passei a ter alguns episódios em que desligava por segundos durante conversas. Não conseguia lembrar. Além de sofrer perdas de memória, havia mais desmaios. A única coisa que falaram foi que achavam que era enxaqueca. Então, me indicaram neurologista e fiz tratamento anual com remédios para enxaqueca, sempre fazendo ressonância magnética. Desde essa época, eu já fazia ressonância, mas nunca me disseram nada”, relatou.
Somente aos 21 anos, após mais um desmaio, um médico interno do Hospital Geral de Roraima (HGR) prestou atenção às queixas da paciente e pediu para um neurocirurgião avaliar o quadro clínico. Rayanna finalmente recebeu o diagnóstico: síndrome de malformação de Chiari, uma doença rara que afeta o cerebelo.
“Hoje, depois de descobrir tudo, o médico disse que as ressonâncias antigas já mostravam que desde aquela época já poderiam identificar a diferença, que a minha tonsila do cerebelo estava abaixo do normal, com apenas 0,5 milímetros”, disse a jovem sobre o defeito congênito (presente no nascimento) que ocorre na conexão da parte de trás da cabeça com o canal espinhal.
A descoberta foi um misto de alívio e apreensão. Embora finalmente soubesse o que a afligia, ela se deparava com a gravidade da doença e a necessidade de uma cirurgia complexa e urgente. Além disso, a mãe estava em São Paulo, acompanhando a avó num tratamento de câncer de mama. O processo de afastamento formal do trabalho também foi estressante.
“Uma das pessoas da junta médica que me atendeu disse: ‘Ah, mas eu não estou entendendo por que você está se afastando do trabalho. Isso é só uma cefaleia, que é o nome bonito para dor de cabeça, né?’ Eu estava com o laudo médico. Eu fiquei pensando: ‘Como uma pessoa vai forjar um laudo de um neurocirurgião apenas para ficar sem trabalhar?’ Não faz o menor sentido. É muito triste”, desabafou.
Em novembro de 2023, Rayanna passou pela cirurgia delicada. A operação foi um sucesso, mas a recuperação é longa e exige cuidados especiais.
“O médico explicou que a cirurgia visa estancar os sintomas e impedir que avancem ou até mesmo regridam. Em relação à qualidade de vida, eu ainda não alcancei totalmente, devido à delicadeza da região e à ocorrência de problemas no pós-cirúrgico, como a fístula. Já posso fazer alguns passeios, mas ainda não posso fazer esforços nem me levantar sozinha”, concluiu a jovem que costuma fazer posts em suas redes sociais para alertar a população sobre a síndrome.
Além da conscientização
As doenças raras geralmente são crônicas, progressivas, degenerativas e até incapacitantes, afetando significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Antes da cirurgia, Rayanna, por exemplo, apresentava formigamento nas mãos e pernas, fraqueza muscular e problemas de visão. Às vezes, dependendo da distância do interlocutor, a jovem não conseguia distinguir os rostos.
Segundo Izabela Marques, o avanço das condições raras infelizmente é comum, uma vez que as investigações costumam ser caras e, a priori, não são cobertas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) de maneira rotineira.
Por isso, a médica avalia que a Lei Estadual de Conscientização é bem-vinda, mas é preciso ir além nas políticas públicas para a construção de um sistema de saúde mais justo e eficiente para os roraimenses.
Investir em pesquisa e diagnóstico precoce, ampliar o acesso a tratamento adequado e acompanhamento médico especializado, capacitar profissionais de saúde para lidar com doenças raras e garantir o acesso aos exames, medicamentos e insumos específicos dentro do Estado são algumas das medidas apontadas pela especialista para mitigar as sequelas dessas doenças.
“O exame Exoma, por exemplo, que é um sequenciamento completo da parte funcional do corpo, custa em média de três a cinco mil reais. No entanto, se considerarmos os custos para um paciente com um acompanhante sair de Roraima, esse valor se torna muito mais alto. Portanto, acredito que deveríamos ter uma política que melhorasse o atendimento laboratorial. Nós temos um laboratório central, porém, não conseguimos fazer exames bioquímicos específicos para doenças raras. Caso não fosse possível, teríamos que ter uma parceria para enviar material para outros Estados que prestam esse tipo de assistência”, sugeriu a médica.